Leia o trecho de Dom Casmurro e faça as questões a seguir 1 e 2:
A pergunta era imprudente, na ocasião em
que eu cuidava de transferir o embarque. Equivalia a confessar que o motivo
principal ou único da minha repulsa ao seminário era Capitu, e fazer crer
improvável a viagem. Compreendi isto depois que falei; quis emendar-me, mas nem
soube como, nem ele me deu tempo.
— Tem andado alegre, como sempre; é uma
tontinha. Aquilo enquanto não pegar algum peralta da vizinhança, que case com
ela…
Estou que empalideci; pelo menos, senti
correr um frio pelo corpo todo. A notícia de que ela vivia alegre, quando eu
chorava todas as noites, produziu-me aquele efeito, acompanhado de um bater de
coração, tão violento, que ainda agora cuido ouvi-lo. Há alguma exageração
nisto; mas o discurso humano é assim mesmo, um composto de partes excessivas e
partes diminutas, que se compensam, ajustando-se. Por outro lado, se
entendermos que a audiência aqui não é das orelhas senão da memória, chegaremos
à exata verdade. A minha memória ouve ainda agora as pancadas do coração
naquele instante. Não esqueças que era a emoção do primeiro amor. Estive quase
a perguntar a José Dias que me explicasse a alegria de Capitu, o que é que ela
fazia, se vivia rindo, cantando ou pulando, mas retive-me a tempo, e depois
outra ideia…
Outra ideia, não, – um sentimento cruel
e desconhecido, o puro ciúme, leitor das minhas entranhas. Tal foi o que me
mordeu, ao repetir comigo as palavras de José Dias: «Algum peralta da
vizinhança». Em verdade, nunca pensara em tal desastre. Vivia tão nela, dela e
para ela, que a intervenção de um peralta era como uma noção sem realidade;
nunca me acudiu que havia peraltas na vizinhança, vária idade e feitio, grandes
passeadores das tardes. Agora lembrava-me que alguns olhavam para Capitu, – e
tão senhor me sentia dela que era como se olhassem para mim, um simples dever
de admiração e de inveja. Separados um do outro pelo espaço e pelo destino, o
mal aparecia-me agora, não só possível mas certo.
“Mas
é tempo de tornar àquela tarde de novembro, uma tarde clara e fresca, sossegada
como a nossa casa e o trecho da rua em que morávamos. Verdadeiramente foi o
princípio da minha vida; tudo o que sucedera antes foi como o pintar e vestir
das pessoas que tinham de entrar em cena, o acender das luzes, o preparo das
rabecas, a sinfonia… Agora é que eu ia começar a minha ópera. “A vida é uma
ópera”, dizia-me um velho tenor italiano que aqui viveu e morreu… E explicou-me
um dia a definição, em tal maneira que me fez crer nela. Talvez valha a pena
dá-la; é só um capítulo.”
(Dom Casmurro, Machado de Assis)
a) Interprete os fragmentos:
I) “tudo o que sucedera antes foi como o pintar e vestir das pessoas que tinham de entrar em cena”.
II) “Agora é que eu ia começar a minha ópera”.
GABARITO:
1) Confirma a complexa caracterização psicológica dos personagens. Nesta obra, narrada pelo próprio Bentinho, os eventos são questionáveis, já que o ponto de vista da narração parte do próprio personagem.
2) Os escritores do momento investigavam o comportamento humano para que seus personagens estivessem mais próximos da realidade. Assim, faziam parte da prosa realista pessoas comuns, com defeitos, manias, fraquezas, ambições e interesses, ou seja, os comportamentos revelados na atitude de José Dias.
3)
I) Bentinho moldava sãs atitudes conforme os anseios da sociedade, não pautado em suas vontades.
II) Bentinho começaria a conduzir a sua vida, conforme as suas vontades.
b) A falsidade, pois o personagem não agia segundo as suas próprias vontades.
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