Leia o fragmento de Memórias Póstumas de
Brás Cubas, de Machado de Assis:
“Talvez espante ao
leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta
que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da
opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar
os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo
as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, a força
de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso
poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa e a hipocrisia, que é um vício
hediondo. Mas, na morte, que diferença! que desabafo! que liberdade! Como a
gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lentejoulas, despregar-se,
despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de
ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem
conhecidos, nem estranhos; não há plateia. O olhar da opinião, esse olhar agudo
e judicial, perde a virtude, logo que pisamos o território da morte; não digo
que ele se não estenda para cá, e nos não examine e julgue; mas a nós é que não
se nos dá do exame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada tão
incomensurável como o desdém dos finados.”
1) No trecho dado, o narrador, que é um
defunto, fala sobre as vantagens em estar
morto, no que se refere a poder falar e agir com verdade. Essa afirmação
fica bem expressa em uma das frases iniciais. Que frase seria essa?
2) O fragmento “Na vida, o olhar da
opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar
os trapos velhos” expressa que característica própria da literatura realista?
3) O que o autor quis dizer com “Mas, na
morte, que diferença! que desabafo! que liberdade! Como a gente pode sacudir
fora a capa, deitar ao fosso as lentejoulas, despregar-se, despintar-se,
desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque, em
suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem
estranhos; não há platéia”?
GABARITO
1) A frase “advirta que a
franqueza é a primeira virtude de um defunto”.
2) A crítica aos valores sociais
da época, em que as pessoas agiam de maneira falsa e hipócrita.
3) O autor mostra implicitamente
nesse trecho que, sendo morto, o personagem não precisa mais se preocupar com a
opinião alheia, estando livre para agir conforme sua própria consciência, sem
se preocupar se será julgado pelos outros.
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