Professores
não falam de educação
Tese
de mestrado defendida na Universidade de São Paulo (USP) expõe a falta de voz
dos educadores na mídia
Por
Cinthia Rodrigues
Os
professores não contam para ninguém o que se passa dentro da escola – ao menos,
não para jornalistas. Há cerca de 10 anos, desde que a ONG Observatório da
Educação começou a acompanhar o tratamento dado pela mídia a políticas
educacionais, o educador não tem voz nas reportagens sobre o tema. A cada novo
índice ou política pública proposta, gestores falam, historiadores, economistas
e acadêmicos opinam, mas educadores não são ouvidos.
O
fenômeno, acompanhado por Fernanda Campagnucci desde 2007, quando era editora
do site do Observatório da Educação,
foi tema de mestrado defendido pela jornalista em 2014 na Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo (USP). A dissertação “O silêncio dos professores”
identifica e analisa o processo de construção desse silenciamento.
O
trabalho mostra como os profissionais responsáveis por ensinar as pessoas a
terem capacidades como autonomia, pensamento crítico e capacidade de reflexão
sentem-se tolhidos a não falar sobre sua profissão e rotina. São figuras raras
não apenas nas reportagens educacionais, mas no próprio debate sobre as medidas
a tomar para que seu desempenho seja bom.
“É
um silêncio construído e reiterado”, afirma Fernanda, que entrevistou dez
profissionais de várias regiões da cidade de São Paulo para explicar por que
não falam ou o que ocorre quando conversam com jornalistas. O estudo também
ouviu jornalistas que comentam suas tentativas frustradas de entrevistas. A
conclusão é de que os educadores não são silenciados propositalmente ou deixam de
falar por convicção, mas por uma “impregnação na cultura institucional” que
inclui fatores como condições de trabalho e autoimagem do professor.
Muitos
citam que declarações à imprensa são proibidas por lei. De fato, até 2009, um
resquício da ditadura, popularmente chamado de “lei da mordaça”, proibia as
entrevistas. Uma campanha do próprio observatório culminou na mudança da
legislação, mas não do comportamento dos professores. “Mesmo os mais novos,
quando entram, aprendem com os mais velhos que não devem falar do que acontece
dentro da escola. Eles não citam exatamente o artigo, no máximo o estatuto do
servidor sem ser específico”, conta.
As
entrevistas também mostraram que o cuidado é aprendido na prática. Dos dez
professores, dois foram escolhidos por já terem falado em reportagens e um
deles foi repreendido pela diretora. “Embora as secretarias de Educação afirmem
que há liberdade de expressão, o trabalho para silenciar é explícito”, diz
Fernanda. Durante as greves estaduais, por exemplo, um comunicado dúbio reforça
que não é permitido falar pelas instituições e acaba reprimindo qualquer fala.
Da mesma forma, quando ocorre um caso pontual, como um episódio de violência,
uma equipe de “gestão de crise” é enviada para “intermediar” o diálogo. Como
resultado, nenhum professor comenta o assunto.
A
desvalorização geral do educador também acaba por impactar subjetivamente o
professor. “Ele vê reportagens que falam sobre educação e sabe que não é assim.
Às vezes vive um conflito entre a realidade que vivencia e a que é retratada,
mas acaba tão estigmatizado pela mídia, pela sociedade, até mesmo dentro da
família que muda a sua autoimagem e aceita”, lamenta a pesquisadora.
Outro
problema é a precariedade do trabalho. A profissão tem grande número de
profissionais temporários, contratados sem concurso e que são dispensados após
alguns meses. Também são muitos os docentes em estágio probatório por terem
sido aprovados há menos de três anos. Mesmo os que são efetivos têm pouco
vínculo com a direção, pela alta rotatividade ou pela jornada que, não raro,
estende-se por mais de uma escola. No Estado de São Paulo, por exemplo, 26% dos
docentes lecionam em dois ou mais estabelecimentos. “Eles não se sentem seguros
o suficiente, estão em um ambiente burocrático e sem vínculos fortes, por isso
uma entrevista é algo tão difícil”, explica a mestre.
Segundo
sua pesquisa, depois de certo ponto da carreira, falar sobre o próprio trabalho
passa a ser estranho para o professor que nunca tomou tal iniciativa. “A
situação toda vai criando uma pré-disposição para não falar que depois se torna
permanente ao longo da carreira.”
O
levantamento mostrou também que os casos de professores retratados em
reportagens são exceções extremas, em que os educadores aparecem como heróis
apesar de um contexto ruim ou como responsáveis pela má qualidade na Educação,
de forma isolada. A constatação deu origem à campanha “Nem herói nem culpado,
professor tem que ser valorizado”, do mesmo Observatório da Educação. “Estas
reportagens reforçam ainda mais a visão de que os educadores em geral não estão
preparados.”
Para
ela, apesar de todos os setores da sociedade e especialmente os governos
desempenharem um papel de protagonista no silêncio, educadores e jornalistas
podem ajudar a romper o ciclo vicioso. Por parte da imprensa, Fernanda diz que
é preciso enfocar a falta de liberdade de expressão. “A mídia não pode
naturalizar o silenciamento dos professores nem deixando de procurá-los e nem
em respostas como ‘não respondeu à reportagem’. Quanto mais for enfatizada a
razão dos educadores não constarem nos textos, maior a visibilidade para este
problema”, diz.
Ao
mesmo tempo, ela acredita que o tema deve constar das formações continuadas
dentro das escolas e servir de reflexão para os educadores. “Todo esforço para
mostrar a realidade influencia para que haja mudanças. É um processo amplo, que
envolve questões objetivas e subjetivas do educador sobre o seu papel. O
primeiro passo é tomar consciência”, conclui.
(Texto disponível na seção Carta
Educação, do site Carta Capital, disponível em http://www.cartaeducacao.com.br/)
1)
Identifique:
a)
Título:
b)
Subtítulo:
c)
Autor:
d) Veículo:
2)
Que
relação há entre o título e o texto?
3)
Segundo
a leitura da matéria jornalística, a pesquisa realizada revela que:
a)
professores
sentem-se à vontade para falar da profissão.
b)
professorem
não se sentem à vontade para falar da profissão.
c)
professores
sentem-se impedidos de falar da profissão.
d)
professores
não fala da profissão porque não são consultados.
4)
O
silêncio dos professores também é causado pela sociedade:
a)
que
criou a “lei da mordaça”.
b)
que
criou uma imagem depreciada do professor.
c)
que
pretende preservar o trabalho dos professores mais novos.
d)
que
elaborou um comunicado dúbio reforçando que não é permitido falar pelas instituições
de ensino.
5)
A
reportagem põe em discussão o tema de uma pesquisa de mestrado que identifica e
analisa o fato de professores não falarem sobre educação na mídia. Que opinião
você tem sobre esse silêncio. Justifique sua reposta.
6)
Segundo
a matéria, para o estudo foram ouvidos professores e jornalistas. A que
conclusão essa pesquisa chegou?
7)
Que
aspecto legal é mencionado na matéria para justificar o silêncio dos professores?
8)
Um
dos aspectos abordados pela reportagem refere-se à precariedade que envolve o
ensino público:
a)
Que
aspectos são dados como exemplo?
b)
Que
dado quantitativo é apresentado?
9)
Para
a pesquisadora Fernanda Campagnucci, qual deve ser o papel imprensa a fim de romper
o silêncio dos professores?
a)
Pedir
o fim da Lei da Mordaça.
b)
Evitar
que professores criem a pré-disposição para não falar, porque depois isso se
torna permanente ao longo da carreira.
c)
Realizar
mais pesquisas sobre a atuação dos professores.
d)
Dar
foco à falta de liberdade de expressão.
10) Observe o uso
das aspas nos fragmentos a seguir:
I
- “A situação toda vai criando uma pré-disposição para não falar que depois se
torna permanente ao longo da carreira.” (9º parágrafo)
II
- “Nem herói nem culpado, professor tem que ser valorizado”
Elas
foram usadas pelo mesmo motivo? Explique sua resposta.
11) O
uso de formas verbais na 3ª pessoa e a constante referência a uma pesquisa de
mestrado reforça a ideia de que a reportagem foi produzida pela jornalista:
( ) de maneira impessoal.
( ) de maneira pessoal.
GABARITO
1)
a) Professores
não falam de educação
b) Tese de
mestrado defendida na Universidade de São Paulo (USP) expõe a falta de voz dos
educadores na mídia
c) Cinthia
Rodrigues
d) Site de
Carta Capital
2) O texto
apresenta uma tese de doutorado sobre a “falta de voz dos educadores na mídia “
quando o assunto é educação.
3) C
4) B
5) Resposta
Pessoal.
6) “A conclusão é de que os educadores não são silenciados
propositalmente ou deixam de falar por convicção, mas por uma “impregnação na
cultura institucional” que inclui fatores como condições de trabalho e
autoimagem do professor.”
7) A Lei da
Mordaça.
8)
a) “A
profissão tem grande número de profissionais temporários, contratados sem
concurso e que são dispensados após alguns meses. Também são muitos os docentes
em estágio probatório por terem sido aprovados há menos de três anos. Mesmo os que são efetivos têm pouco vínculo com a direção, pela alta
rotatividade ou pela jornada que, não raro, estende-se por mais de uma escola.”
b) “No Estado
de São Paulo, por exemplo, 26% dos docentes lecionam em dois ou mais
estabelecimentos.”
9) D
10) Não. Em
I, as aspas delimitam um fragmento da pesquisa; em II, indicam o nome de uma campanha.
11) ( X ) de
maneira impessoal.
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